A convite da DGArtes, os curadores Nuno Grande e Roberto Cremascoli levarão arquitecto a revisitar o projecto de habitação social que fez em meados da década de 1980 para a ilha da Giudecca.
Álvaro Siza vai ser o representante de Portugal na próxima Bienal de Arquitectura de Veneza, que decorre de 28 de Maio a 27 de Novembro. A Direcção-Geral das Artes (DGArtes), dirigida por Carlos Moura Carvalho, atribuiu a escolha da participação portuguesa aos curadores Nuno Grande e Roberto Cremascoli, que elegeram como tema o projecto de habitação social que o arquitecto português fez para a ilha da Giudecca, em Veneza, na década de 1980, e que agora vai ser finalizado após vários anos de paragem.
Roberto Cremascoli, arquitecto, colaborador de Siza desde há vários anos, e Nuno Grande, professor, crítico e ensaísta, confirmaram ao PÚBLICO os convites recebidos já no ano passado para a organização da presença nacional na bienal italiana, mas remeteram para a DGArtes mais explicações sobre o processo.
A confirmação oficial da informação que já corre nas redes sociais foi feita ao PÚBLICO pelo ministro da Cultura, este fim-de-semana, no Porto. “Sim, Álvaro Siza vai estar em Veneza; é uma escolha que vejo com belíssimos olhos”, disse João Soares, acrescentando que o actual Governo “agarrou com o maior dos entusiasmos” a decisão avançada pelo anterior executivo.
O ministro da Cultura lembrou, de resto, a “admiração pessoal e a amizade” que o ligam ao arquitecto responsável pela reconstrução do Chiado após o incêndio de 1988: “Trata-se de alguém que conheço muito bem, e com quem tive o privilégio de trabalhar quando fui presidente da Câmara de Lisboa uma vez por semana, pelo menos, durante quase sete anos."
Álvaro Siza, por seu lado, manifestou ao PÚBLICO o "imenso agrado” com que vai voltar ao seu projecto de Veneza, um complexo de habitação social no Campo de Marte, em frente à Praça de São Marcos, cujo concurso internacional venceu em 1985. “Na altura, e já lá vão mais de 30 anos, foram escolhidos quatro arquitectos”, lembra, referindo-se à distribuição do programa, da responsabilidade do instituto Case Popolari, agora designado Ater Venezia (o equivalente ao português Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana), pelos italianos Aldo Rossi (1931-1997) – o celebrado autor do livro A Arquitectura da Cidade (1966) – e Carlos Aymonino (1926-2010) e pelo espanhol Rafael Moneo.
Os edifícios dos dois arquitectos italianos foram os primeiros a avançar; o de Siza começou só em 2004, “e depois ficou parado, porque o empreiteiro faliu”, recorda; o de Moneo nem sequer chegou a começar.
A proposta de Nuno Grande e Roberto Cremascoli consiste numa instalação audiovisual sobre o projecto de Siza, no interior inacabado do segundo edifício, cuja construção ficou suspensa no tempo. “Foi uma ideia óptima essa de propor à Case Popolari fazer a exposição no rés-do-chão e simultaneamente promover um encontro com as pessoas que já estão a habitar o edifício acabado”, diz Siza, adiantando que esse desafio parece ter levado os responsáveis italianos a retomarem e terminarem a construção. Simultaneamente, também o edifício de Rafael Moneo deverá ser concretizado.
Esta é uma situação com que o arquitecto nascido em Matosinhos em 1933 se tem confrontado inúmeras vezes ao longo da sua carreira. Neste caso concreto, são notórias as semelhanças com o Bairro da Bouça, no Porto, que integrou, logo a seguir ao 25 de Abril de 1974, o programa SAAL, aventura pioneira de habitação social de que Siza foi um dos protagonistas. “Há uma diferença: a Bouça foi parada por uma decisão política”, esclarece o arquitecto, que se manifesta também satisfeito por poder retomar o seu trabalho na área da habitação social.
O projecto de Nuno Grande e Roberto Cremascoli pretende também documentar o regresso de Siza a outros projectos de habitação social realizados noutras cidades europeias, como Berlim e Haia.
Encontro com Alejandro Aravena
Quem certamente deverá ficar agradado com este regresso de Siza a Veneza e à habitação social é Alejandro Aravena, recém-distinguido com o prémio Pritzker e comissário da próxima bienal italiana – para a qual elegeu como mote a expressão Reporting from the front. Reconhecido pelos seus projectos radicais no domínio da habitação social, o arquitecto chileno terá a oportunidade de debater com Siza a experiência de ambos neste domínio.
Quem certamente deverá ficar agradado com este regresso de Siza a Veneza e à habitação social é Alejandro Aravena, recém-distinguido com o prémio Pritzker e comissário da próxima bienal italiana – para a qual elegeu como mote a expressão Reporting from the front. Reconhecido pelos seus projectos radicais no domínio da habitação social, o arquitecto chileno terá a oportunidade de debater com Siza a experiência de ambos neste domínio.
Depois de ter celebrado a atribuição do Pritzker a Aravena, Siza reafirma agora “a coincidência” de o mais importante prémio mundial na área da arquitectura vir “chamar a atenção para o tema da habitação social, após um longo período em que esta esteve distante das preocupações dos arquitectos e dos responsáveis políticos”. E nota que, aquando da sua decisão de doar parte dos seus arquivos ao Centro Canadiano da Arquitectura, em Montreal, os projectos que primeiro lhe foram pedidos foram os de habitação social. “É uma coisa boa, porque este é um tema fundamental, que finalmente parece voltar a ter atenção e reconhecimento político”, diz Siza.
De novo em Veneza
O arquitecto do Museu de Serralves regressa a uma bienal onde já esteve em diferentes momentos. Foi, aliás, distinguido por duas vezes com o Leão de Ouro: em 2002, pelo projecto do Museu Iberê Camargo, em Porto Alegre, no Brasil; dez anos depois, pelo conjunto da carreira. Antes, teve a sua obra representada em duas exposições: em 1976, integrando a mostra Europa-América: centro histórico, subúrbio, comissariada por Vittorio Gregotti; e em 1985, numa mostra de projectos comissariada por Aldo Rossi.
O arquitecto do Museu de Serralves regressa a uma bienal onde já esteve em diferentes momentos. Foi, aliás, distinguido por duas vezes com o Leão de Ouro: em 2002, pelo projecto do Museu Iberê Camargo, em Porto Alegre, no Brasil; dez anos depois, pelo conjunto da carreira. Antes, teve a sua obra representada em duas exposições: em 1976, integrando a mostra Europa-América: centro histórico, subúrbio, comissariada por Vittorio Gregotti; e em 1985, numa mostra de projectos comissariada por Aldo Rossi.
Os dois curadores responsáveis pelo regresso de Siza à Bienal de Veneza são figuras com grande proximidade com a sua obra. Roberto Cremascoli, arquitecto italiano que estudou na Escola do Porto, licenciou-se no Politécnico de Milão com uma tese precisamente orientada por Siza, com quem viria, depois, a colaborar no seu escritório portuense. Com o seu próprio atelier – Cremascoli, Okumura e Rodrigues arquitectos –, projectou com Siza um complexo de habitações colectivas actualmente em construção na comuna de Gallarate, na Lombardia. E depois de ter comissariado as exposições Porto Poetic, em Milão e no Porto (2013), Álvaro Siza, Inside the Human Being, em Rovereto (2014-15), e Siza Design, com Maria Milano, em Matosinhos (2015), Cremascoli vai ser também o curador de uma nova exposição do arquitecto da Faculdade de Arquitectura do Porto no MAXXI, em Roma, integrada no Jubileu 2016.
Nuno Grande, docente de Laboratório de Projecto na Universidade de Coimbra e professor convidado da disciplina de Urbanística na Universidade do Porto, foi curador, com Jorge Figueira, da presença portuguesa (que naturalmente incluiu Siza) na 7ª. Bienal de Arquitectura de S. Paulo (2007), tendo sido também responsável pela área da Arquitectura na Capital Europeia da Cultura Porto 2001, e por exposições da Guimarães 2012. Foi o organizador do evento Ambulatório, associado à exposição que o Museu de Serralves promoveu sobre o programa SAAL, no ano passado, e actualmente prepara a exposição Les Universalistes. Architecture Portugaise 1965-2015, a apresentar na Cité de l'Architecture, em Paris, a partir de Abril, numa iniciativa da Fundação Gulbenkian.
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