A exposição Debaixo dos Nossos Pés conta diferentes momentos da evolução da cidade através das múltiplas técnicas, materiais, formas, composições e cores usadas para pavimentar a cidade desde o século V a. C. até à atualidade
Nasceu como um projeto pessoal de investigação da arqueóloga Lídia Fernandes e a partir de hoje, às 18.30, fica disponível para o público na forma de exposição que no Torreão Poente, na Praça do Comércio, conta a história da cidade através dos pavimentos que a foram revestindo, desde a Idade do Ferro até à atualidade. E, dentro de alguns dias, Debaixo dos Seus Pés - Pavimentos Históricos de Lisboa ganhará ainda a forma de monografia que sintetiza todo o conhecimento acumulado nesta área.
"As soluções de pavimentação da cidade de Lisboa são tão variadas, tão distintas entre si e a forma como se podem relacionar com as épocas que as suscitaram que foi nascendo esta ideia de criar uma espécie de corpus sobre os pavimentos da cidade", contextualiza a também coordenadora do Teatro Romano, um dos núcleos do Museu de Lisboa.
A primeira sala é dedicada à geologia da cidade de Lisboa porque "é a riqueza geológica da cidade que permite a obtenção de matéria-prima para a realização da sua pavimentação", assinala a arqueóloga Jacinta Bugalhão, outra das comissárias da exposição. Um pedaço de calcário com fósseis de conchas e um fuste da época romana esculpido nesse material e no qual são visíveis alguns fósseis é um dos exemplos de matéria-prima que se encontram nesta sala. Uma carta geológica da região de Lisboa e alguns fósseis completam a informação.
Argila, um dos materiais que nessa carta geológica se pode ver que existe em grande abundância, é precisamente o que serve de matéria-prima para os primeiros exemplares de pavimento, datados do século V a.C. que surgem na sala seguinte. Um pedaço desse pavimento, oriundo da zona do Castelo de São Jorge, mostra como a argila era sujeita ao fogo, ganhando um tom mais vermelho e maior resistência, depois de aquecida com fogo. Logo ao lado, um revestimento com seixo colado, numa reconstituição do existente no Núcleo Arqueológico da Rua dos Correeiros, dos séculos V/IV a.C. Logo à entrada desta sala, tal como depois em todas outras, um breve texto explica o contexto histórico e cronologia dos achados em exposição e um mapa situa esses mesmos achados bem como outros vestígios da mesma época.
No terceiro núcleo, destaque para a época romana com alguns exemplos de revestimentos mais decorativos, e outros de cariz mais prático, como o opus signinum, feito de pedaços muito pequenos de argila com argamassa, tornando-o mais resistente e impermeável. No espaço seguinte, dedicado à Idade Média, apesar de "estarmos num ambiente social e cultural distinto [do da época romana], mais fechado, existem linhas de continuidade - continua a usar-se o revestimento cerâmico e surge um sucessor do opus signinum, feito com argila, cal e areia que misturado cria uma argamassa bastante compacta, aumenta a resistência", explica Jacinta Bugalhão. Destaque ainda para um vídeo com a reconstituição do pavimento da Capela de Santo Estêvão, do claustro da Sé de Lisboa - "um dos poucos do século XIV que restam na cidade", evidencia Lídia Fernandes.
Um quadro do pintor holandês Dirk Stoop (1615-1686) que revela o aspeto do Terreiro do Paço em meados do século XVII (com o modelo ali mesmo a um olhar pela janela) é o pretexto para se falar da Lisboa do século XVI e da Rua Nova (ainda antes de ser dos Mercadores) e do facto de ter sido mandada pavimentar por D. João II por granito vindo do Porto. "Um dos impostos em vigor obrigava os barcos que aportavam à cidade a trazerem como lastro pedra", diz Jacinta Bugalhão. "Há vários documentos que atestam esta questão. Mas em termos de conhecimento arqueológico, nunca foi encontrado qualquer pavimento granítico em Lisboa. Há de haver uma explicação, só ainda não a encontrámos".
Segue-se um núcleo em que, devido à introdução do automóvel, se procura novas soluções, como a criada pelo engenheiro escocês John McAdam e que aqui surge exemplificada com os vários níveis de pedras, das maiores para as menores, tal como ainda hoje se faz. Mas sem a aplicação do alcatrão. Uma solução que, explica Lídia Fernandes, foi muito contestada na cidade, sobretudo pelas senhoras que não gostavam da poeira que se levanta quando passavam com os seus longos vestidos.
A calçada portuguesa ocupa o último núcleo, onde se mostram moldes em madeira dos desenhos depois transpostos para o chão, estudos e instrumentos utilizados pelos calceteiros.
"Tudo isto é uma evolução por tentativa e erro, e pela documentação consultada, e que foi muita, houve muitas tentativas de pavimentação da cidade, muitas mais do que se pode imaginar, e até épocas muito recentes. Por exemplo, no final do século XIX, as discussões que existiam na Câmara Municipal entre os vários vereadores sobre a tentativa de eleger um tipo de pedra para pavimentar a cidade, eram discussões extremamente acaloradas", sintetiza Lídia Fernandes.
Notícia aqui 18/04/2017
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